sábado, 8 de janeiro de 2011

o SER e o NADA

A inspiração comigo sempre funcionou da seguinte maneira: de um fato corriqueiro do meu cotidiano surge à oportunidade de aprender uma lição, e como sou teimoso, de passa-la adiante.
 
Isso me faz recordar que em certa ocasião, eu limpava um balcão de vidro em um antigo emprego, quando me deparei com o reflexo de um cartaz que estava pendurado na parede do estabelecimento. A palavra em questão era SENSACIONAL, e o reflexo agia de forma curiosa fazendo a imagem aparecer ao contrário onde se podia ler agora a palavra LANOICASNES. Fiquei um determinado tempo observando a palavra vista ao contrário, quando um colega entrou no estabelecimento me pegando em devaneio a pronunciar a palavra em voz alta. Ele já muito curioso, me questionou onde eu lia esta palavra tão esquisita. Eu vendo ali uma oportunidade única, apontei o balcão de vidro e disse simplesmente: “Aqui”. Com a curiosidade aumentada ele perscrutou de diversas maneiras o balcão: em cima, embaixo, ao lado, dentro do balcão, fuçou os objetos que estavam dentro do balcão e até olhou de pertinho, mas nada de achar. Eu o fiz sofrer um pouco, e lia repetidamente a palavra para ele, com a confiança redobrada. Tranquilamente após diversas tentativas frustradas deste colega, eu disse: “Amigo, você está olhando sem ver. Tente olhar para o reflexo do vidro”. Mas que dó, nem com esta dica o pobre não enxergava a palavra. Tive que finalmente apontar o caminho ao cara, e usando uma frase de efeito, arrematei: “Viu só!? Nós  só vemos aquilo que queremos que nossos olhos vejam?”. Meu Deus! Que erro que cometi. O sujeito quase me degolou, e apresentou diversos argumentos que poriam minha tese por terra. Mas a merda (com o perdão da palavra) já estava feita, e minha frase pairava no ar insistente e imponente como a nos lembrar dos nossos vergonhosos defeitos.
 
O que me fez lembrar agora esta história – que já aconteceu a um bom tempinho – foi um filme que assisti recentemente (não pela primeira vez), intitulado “A vida em preto e branco”. Em poucas palavras, o filme narra à história de dois adolescentes em conflito que se veem de repente dentro de uma série de televisão da década de 50. Lá naquela cidadezinha tudo era preto e branco (devido até mesmo à época), e nada mudava a rotina da população. Tudo era meio que programado a acontecer de determinado jeito. A vida daquela gente tinha um roteiro que deveria sempre ser seguido. Mas a presença destes dois adolescentes começa a perturbar a quietude daquela gente. Em determinadas situações eles começam a fazer as pessoas perceberem-se. Eles fazem as pessoas agirem de forma mais livre, sem o roteiro predeterminado. O que ocorre a partir daí, é que a cor começa a aparecer para estas pessoas, literalmente, tudo começa a ficar colorido aos poucos, a partir do momento em que algumas pessoas começam a “acordar” para a vida. A analogia a partir deste ponto fica fácil. E no final uma das personagens principais do filme deixa uma mensagem reveladora: “Tá tudo aí, dentro de você”.
 
Tá, eu sei que determinadas coisas ficam chatas se faladas repetidamente e no final acabam virando clichê. Mas isso acontece por quê? Por que ao falarmos tanto determinadas coisas, elas viram clichê? É porque não damos a menor importância a estas mesmices de moral, virtudes, finais felizes e seus congêneres. Não nós importamos com verdades absolutas, não damos a mínima para “moral da história” e blá blá blá de bem viver e autoajuda. Somos em suma, vazios de sentimentos, ocos de emoção.
 
È inviável, para alguns, enxergarem o quando é necessário se abrir para possibilitar verdadeiras experiências de vida. É inaceitável a estas pessoas crerem em si próprias. A insegurança de se doar as torna seres com rostos de plástico num mundo surreal.
 
O que eu queria que o cara ali da minha experiência enxergasse é que os preconceitos dele tornavam as pessoas com quem ele vivia em personagens de ficção. Ele não se relacionava com pessoas, e sim com personagens que ele moldava em sua cabeça e aquilo já era o tudo para ele. 
 
Tudo nesta relação se torna algo meio que: Eu conheço você. A primeira vista, rascunho um personagem ideal que você se encaixaria; depois pegaria as primeiras informações que você me passa (voz, trejeitos, andar, experiências narradas por você), e as que eu percebo sozinho (olhar, tiques, manejos de voz, ritmo de conversação) e as alocaria aos poucos nesta personagem, que vai tomando forma, corpo, personalidade (sic). Pronto! Está criado o ser perfeito. O que falta é eu coloca-lo na hierarquia devida das minhas relações: conhecido, colega, amigo, parente, louco, inconveniente, desagradável, levemente simpático, evitável... E por ai vai, aos extremos que chegarem a nossa mente perturbada. O problema, é óbvio, está com a gente, que resumimos tudo a uma imagem. 
 
Este cara aprendeu a lição? Não sei, e não me importo. Afinal o que já era ruim pode até ter piorado. E do que isso tudo adiantou? Ficou para mim, a esperança de encontrar daqui pra frente pessoas que queiram estar com pessoas. Fica em mim, uma vontade de acreditar em algo diferente do predeterminado, algo que me faça ofegar de alegria. 
 
Talvez o que falte a algumas pessoas seja simplesmente o respeito pelo “ser” de cada um. Deixar que a pessoa se mostre. Que esta pessoa seja apenas ela mesma. Não criar seres incompletos. Não vislumbrar o irreal. Não prever. Deixa-lo apenas ser. E deste ponto começar a apaixonar-se pela vida.
 
Eu sei que na postagem anterior eu já enveredei por um assunto muito parecido. Perdoem-me a insistência. É que tenho visto muitos fantoches por aí, e vejo também os manuseadores das cordinhas. 
 
Mas permitam-me sempre a ser o esperançoso, permitam a um coração inquieto sempre acreditar nas virtudes que possivelmente muitos possuem, e que serão um dia, finalmente, contagiosas. 

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